sábado, 1 de agosto de 2009

"Bico, Milícia, UPPs,Salário,Tráfico....Veja o que pensa nosso Cmdte Geral sobre isso..."


"Entrevista com nosso Cmdte Geral - Palavras Sábias-"

"ENTREVISTA EXTRAÍDA DO SITE COMUNIDADE SEGURA "/ Coronel Mário Sérgio de Brito Duarte

Uma pergunta ao coronel Mário Sérgio. O pedido feito da noite para o dia pelo Comunidade Segura a importantes pesquisadores da área de segurança pública do Rio de Janeiro foi prontamente atendido por sete deles, alguns com bem mais de uma interrogação.

O extenso questionário não intimidou o novo comandante geral da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ), que considerou todas as perguntas pertinentes e enfrentou a sabatina durante uma hora e dez minutos. "São perguntas de pesquisadores, então carregam a profundidade da capacidade e da qualidade de cada um", elogiou.

Para facilitar a leitura, agrupamos as questões por temas.

VIOLÊNCIA E POLICIAMENTO

Comunidade Segura: Sua primeira providência foi remanejar mais de mil policiais dos quartéis para as ruas. Como fez isso e por quê?

Antigamente, quando se falava em enxugar efetivos, a polícia conseguia enxugar 40 homens. Hoje já temos mais de 1500, e vamos tirar mais. Os destacamentos policiais ficavam encolhidos com medo do tráfico. Isso não é prestação de serviço. Isso não servia pra população. Então nós retiramos. As segundas seções (P2), que eram uma espécie de braço repressivo da PM, agora são só inteligência. Recuperamos quase 400 homens das segundas seções que foram trabalhar ostensivamente. Transformamos as estruturas de poder em estruturas de serviço público. As necessidades eram urgentes.

O Rio de Janeiro vive uma dicotomia em termos de segurança pública, porque tem a parte comum a todos os estados, que é o crime de rua - roubos, furtos, violências nos espaços onde as pessoas transitam – e também um outro evento que é tão ou mais grave, que é a criminalidade e a violência perpetrada pelo narcotráfico, que tem uma característica de conflito armado de pequena intensidade.

Temos esses dois quadros: no asfalto, o crime praticado por aquele criminoso com arma de porte; na favela, o traficante armado com fuzil e com uma idéia de território, um conceito da identidade coletiva que o conecta ao cara que está na outra favela. Ele tem uma representação diferente, o seu ethos é outro, é o da guerra, do enfrentamento. O traficante jovenzinho está pouco preocupado com o que vai faturar, ele quer é pertencer, ser visível socialmente. Isso é extremamente perigoso e não se combate com polícia convencional.

No tráfico, os grupos são consolidados, e a gente combate com polícia só na primeira fase. Depois é preciso desconstruir aquela subcultura de ódio. Por isso hoje temos as polícias de asfalto e as Unidades de Polícia de Pacificação, que é uma palavra que cabe muito. É de pacificação mesmo! Porque o que está tendo lá tem característica de conflito, com lançadores de granada, minas anti-pessoal, fuzis aos milhares e vontade e conduta de guerra.

UNIDADES DE PACIFICAÇÃO
Rubem César Fernandes (Viva Rio): Como ficará a relação entre os GPAEs e as unidades pacificadoras? Não acha que essas modalidades merecem uma boa avaliação para que não se repitam os mesmos erros?

A unidade pacificadora tem uma semelhança muito grande com os GPAEs, só que, no GPAE, não estávamos tão atentos para necessidade da participação de outros órgãos. Quem imaginou o GPAE não reconhecia a existência desses ingredientes de identidade coletiva do narcotráfico, sua vontade bélica de reagir até o fim. Era preciso trabalhar a parte policial e militar, mas também cultural, social e econômica daquele ambiente.

Não adianta chegar num lugar de miserabilidade e não colocar equipamentos sociais. Sem a coleta do lixo, a regularização do sistema de fornecimento de água, os espaços de lazer para a população, a coisa vai se perder... A população quer ordem, quer respeito, quer colaborar, pagar a sua luz, a sua água, não quer a marginalidade. O conceito de GPAE, embora se ensaiasse para entrar com as outras coisas, não tinha o conceito de pacificação. Essa é, talvez, a grande diferença: reconhecer que existe um estado bélico, que ali não é, simplesmente, uma questão da ordem jurídica.

COMBATE AO TRÁFICO

Michel Misse (Núcleo de Estudos Violência Urbana/UFRJ): Por que a PM tem que fazer serviço da Polícia Federal quando o tráfico não é problema estadual, mas federal?

A ação da Polícia Militar no tráfico de drogas entra de forma subsidiária, não é sua ação principal. No passado, a PM fazia marcadamente o seu papel de polícia ostensiva de preservação da ordem nas ruas. Tráfico de drogas não era uma problema da PM até 1986, 87, 88, quando as armas de guerra começaram a chegar e os traficantes passaram a enfrentar as forças policiais. Antes, eles fugiam das forças policiais, só reagiam quando sabiam que não tinha jeito mesmo, que iam ser presos. A regra era esconder as armas. Mas foram ficando mais poderosos e desenvolvendo essa idéia de coletivo, que permitiu que enfrentassem a força policial.

Michel Misse: Existe integração entre Polícia Civil, Polícia Militar e Polícia Federal contra o tráfico ou é tudo 'para inglês ver'?

Não, é um processo que está num crescente. Antigamente, não tinha nenhuma união. Tivemos um momento em que se tinha até secretarias estaduais separadas e o contato com as outras corporações eram pessoais e não profissionais. Com a recriação da Secretaria de Segurança, ensaiou-se uma aproximação, mas, ainda assim, não foi o suficiente, as coisas ficaram num nível de relações pessoais.

Depois tivemos, já no final da década de 90, a reordenação da segurança pública com o conceito de Área Integrada de Segurança Pública (Aisp), e aí sim já com uma nova divisão geográfica, de batalhões, delegacias, coincidindo áreas de delegacias dentro de uma determinada área de um batalhão.

Hoje nós temos uma integração muito maior com a Polícia Federal. Temos os grupos de gestão integrada, que tem participação da Polícia Federal. A Secretaria hoje tem uma subsecretaria específica para fazer a integração operacional entre as corporações. Agora vai haver uma reorganização no nível tático e operacional, de ação das polícias através das regiões integradas de segurança pública. Mas são questões estruturais culturais, e não se muda nem estrutura e nem cultura de uma hora para a outra.

O que eu diria pro senhor Misse é que é um processo em construção, e tem melhorado bastante. E com a organização das Regiões Integradas de Segurança Pública (Risps), o aquartelamento num prédio para trabalhar junto e a divisão dos batalhões em companhias de policiamento integrado, com cada capitão se relacionando diretamente com o delegado, a integração das duas instituições vai melhorar muito, e cada vez mais, esperamos, com as forças federais também.

USO DA FORÇA

Alba Zaluar (Uerj): Sabemos que os policiais militares são mal preparados para a função de proteger o cidadão ou imobilizar suspeitos, mas são formados como combatentes de guerra para matar... O que o senhor fará para mudar essa formação e ter policiais conscientes de sua função e mandato?

Eu não concordo que a formação do policial é a do combatente para matar. Nossos currículos não estão organizados para isso. Nós estamos imersos em um ambiente cultural militar e temos a nossa coreografia, que é a nossa ordem unida. A ordem unida tem dois objetivos: exibir a força e trabalhar o conceito de grupo, a necessidade de um trabalhar em função do outro, porque se um errar, todos erram.

Acho que a professora Alba não tem uma visão da coisa como realmente é. Não podemos nos abstrair de dar lição de tiro para os nossos homens – eles vão usar armas! Nós não podemos deixar de ministrar treinamento físico para eles, porque vão enfrentar dificuldades na rua que vão exigir um mínimo de condição física. Mas nosso currículo tem várias disciplinas, como direitos humanos, que tratam de forma transversal o trato com o cidadão, a necessidade de proteger as pessoas que transitam nos espaços públicos em busca de bem e paz.

Há uma parte de formação mais marcadamente militar, mas a maior parte da nossa formação é com vistas à polícia ostensiva de preservação da ordem e com respeito à cidadania. Agora, é claro que, como nós vivemos essa dicotomia no quadro, não para o policial militar não ter um mínimo de preparação para enfrentar a parte pior. Como não se comportar de forma militar, se a gente vai encontrar dentro da favela uma pequena fração de infantaria? Se ele não tiver esse mínimo, vai sucumbir. Então tem que ter na formação do policial algo que o prepare para o asfalto – e eu chamo de asfalto esses espaços públicos, de trânsito geral – e os pontos terminais, que nós chamamos de favela, onde encontramos os fuzis e os traficantes empoderados.

Alba Zaluar: Por causa da guerra contra os bandidos, hoje parte da tropa combatente sofre os efeitos da síndrome do estresse pós-traumático ou está tão estressada que reage descontroladamente, colocando em risco sua vida e a vida de inocentes circunstantes. O que a PM fará para tratar e ajudar esses policiais?

O controle do estresse é uma coisa nova na corporação, está nascendo agora. Por incrível que pareça, nasce no Batalhão de Operações Especiais. Não a ideia, mas os primeiros trabalhos práticos. Por isso eu trouxe do comando do Bope o cel. Pinheiro Neto para ser responsável por uma área de pesquisa, doutrina e planejamento estratégico que nós vamos tentar replicar. Mesmo com as particularidades para a tropa, vamos replicar o que já foi feito no Bope, estendendo, melhorando, conhecendo como isso é feito em outros lugares, porque reconhecemos a necessidade de um tratamento que a gente possa aplicar no policial que vive esse estresse do Rio de Janeiro.

Jacqueline Muniz (Grupo de Estudos Estratégicos/Universidade Candido Mendes): Como institucionalizar uma política de uso da força na PMERJ que seja capaz de sustentar tanto a superioridade de método da polícia, a segurança e saúde ocupacionais dos policiais, quanto a confiança pública, reduzindo as incertezas, riscos e danos nas interações entre policiais e cidadãos (recalcitrantes ou não)?

É uma pergunta que teria um conjunto de respostas, um conjunto de ações. Capacitação profissional em primeiro lugar. Aliás, isso começa na seleção. Temos uma ideia, um senso comum, de que precisamos ter uma prova no nível de segundo grau, e aí fica-se exigindo do policial abstrações matemáticas que ele não vai usar. Ele vai precisar abstrair muitas vezes, mas com outras ferramentas, terá que observar fenômenos sociais. Estive reunido com o pessoal do Centro de Seleção para que a gente repense a nossa seleção. Precisamos traçar o perfil profissiográfico do nosso homem – não temos isso ainda. A gente precisa que o homem seja parte soldado mas também marcadamente um respeitador dos direitos humanos, da ordem legal, dos institutos jurídicos, da população, das diferenças.

Rubem César Fernandes: Há planos especiais para o Bope? Ele será referência de planejamento, formação e qualidade?

O Bope é uma referência sempre. Agora, não necessariamente toda a tropa tem que aprender o que o Bope aprende. O soldado que trabalha na rua não tem que ter a mesma formação do Bope, claro. Se ele tiver o mesmo comportamento, vai causar um problema para a população. Porque é cada coisa no seu devido lugar. O Bope tem que causar, entre aspas, um problema para aquele criminoso mais agreste, aquele que está de fuzil cruzado no peito, aquele que está igual a um soldado de exército.

Ignácio Cano (Uerj): Por que o Bope parece assumir as operações de busca pelo responsável pela morte do cabo do Bope, quando essa é uma missão da polícia investigativa, ou seja, da Polícia Civil?

Só parece. É claro que, recebendo informações sobre o paradeiro de alguém, a PM tem competência residual para fazer isso e vai fazer, com toda a certeza que vai fazer. Mas a Polícia Civil está extremamente empenhada nessa investigação, só que isso não aparece. É claro que existe um papel de mídia de mostrar que o Bope está aí. Por que os outros batalhões estão fazendo a mesma coisa e não aparecem?

Rubem César Fernandes: Balas perdidas, mortes de policiais, mortes de inocentes: como fica o controle sobre as armas de fogo?

A corporação sempre se preocupou com o controle sobre as armas de fogo. O problema é que, hoje, temos a utilização de fuzis de ambos os lados. Os fuzis do tráfico chegaram em 1988 e os da polícia anos depois, em 1995. Qualquer disparo de fuzil causa um estrago terrível. Dificilmente o projétil permanece no corpo. Se a gente não compra o fuzil para os nossos homens, aí o tráfico domina a cidade, porque, infelizmente, o nosso pessoal vai ficar totalmente intimidado, e a cidade vai estar entregue ao crime. Então, infelizmente, nós temos que ter o mesmo poder de fogo, até para o processo de intimidação, o processo de dissuasão da vontade do traficante.

Os controles, nós já fazemos, mas vamos intensificar o controle de disparos de armas de fogo executados por unidades, por grupos, por pessoas. É o aperfeiçoamento do que já existe. A corregedoria já acompanha isso há uns três ou quatro anos. O problema é que às vezes a gente tem o acompanhamento, mas não a avaliação. A fase a ser desenvolvida agora é o acompanhamento e realização de estudos com vistas às soluções dos problemas para a melhoria do serviço, inclusive com a redução dos disparos e o aperfeiçoamento da técnica.

CS: E o treinamento?

O treinamento é a condição fundamental para o funcionamento da polícia. Mas temos tanto trabalho, tanto serviço, que sobra muito pouco tempo para treinar qualquer coisa. Sobra pouco tempo para treinar ou estudar, capacitar nosso pessoal com novas informações sobre o que está acontecendo nas outras corporações policiais, as novas técnicas que estão sendo desenvolvidas.

O que acontece na polícia, infelizmente, é que o policial se forma e, depois, nunca mais, ou raras vezes, ele volta para os bancos escolares. Mas o que é interessante: o Bope consegue. Claro que eles até têm uma escala que favorece, mas não é só por consequência da escala: é que desenvolvem pesquisa e têm uma seção de doutrina e pesquisa que não existe na PM. Queremos estender isso para a corporação. Capacitar o pessoal, atualizar em todos os campos, da parte da repressão, da prevenção e nos conceitos em voga sobre direitos humanos e outras coisas.

O "BICO" E AS MILÍCIAS

CS: O senhor fará algo contra o 'bico' [trabalho nas folgas, quando acontece a maioria das mortes de policiais]?

O bico acontece porque o policial ganha mal, muito mal. É claro que, ao dar salários melhores, não vamos acabar com o bico imediatamente, porque tudo que vira cultura não se desconstrói assim. A pessoa tem que estar motivada, ainda que seja por um processo de incentivo, que é o recurso financeiro. A verdade é que a polícia no estado do Rio de Janeiro ganha mal - e a Polícia Civil também. Houve um processo de desgaste e empobrecimento das forças policiais. A partir do momento em que o policial ganhe mais, teremos condições, por exemplo, de trazê-lo para o treinamento no horário em que estaria no bico.

Roberto Kant de Lima (Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas/UFF): O que pareceria uma vantagem para os policiais - o "bico" - revela-se uma trágica opção para eles. Por outro lado, as chamadas milícias em muito se assemelham estruturalmente a um desdobramento dessas atividades, somente delas diferenciadas por terem objetivos explicitamente ilícitos. Nos dois casos, entretanto, a ilicitude não parece ser reconhecida por aqueles que a praticam, que se sentem absolvidos em função de justificativas de toda ordem, inclusive de sua própria sobrevivência como profissionais, obrigados, muitas vezes, a conviver em seu ambiente doméstico com a proximidade de criminosos. Todas as vezes que se fala em regular essa atividade, a polêmica se instala e os interessados em sua continuidade abafam as iniciativas propostas. O senhor tem alguma proposta, não meramente repressiva, para enfrentar esse problema estrutural de nossa Polícia?

O problema das milícias é mais grave, como fenômeno, na minha visão. Durante algum tempo, o narcotráfico caçou policiais, expulsou policiais das áreas onde eles moravam, limitou o trânsito em alguns locais para os policiais e os nomeou como inimigos. Primeiro, o tráfico nomeou como inimigo as quadrilhas rivais. Depois que se sentiram muito fortes com as armas de guerra, passaram a enfrentar as forças policiais e a nomear por inimigos todo policial, como se fossem de um outro país.

Tem um momento em que o policial cria uma espécie de rede social de proteção para a sua sobrevivência, e essa rede é territorial, se estabelece em uma determinada área. 'Aqui vamos morar, manter o controle de todas as informações, saber tudo o que acontece e não vamos deixar entrar aqui nesse espaço aquele vetor que pode empoderar o nosso inimigo, que é a droga'.

Essa era a bandeira inicial desses grupos de policiais, bombeiros, de agentes da ordem que eram nomeados por inimigos pela outra força. Só que tem um problema: onde existe esse tipo de poder, ele quer uma sustentação econômica. E aí a coisa começa a caminhar. Daí a pouco eles entendem que pode surgir um negócio econômico, que podem ter algum tipo de faturamento com aquele benefício que eles estão promovendo para a população. Aí o benefício começa a se tornar ilegal, ilegítimo e imoral. Porque eles passam a cobrar o ágio no fornecimento do gás, passam a cobrar muito mais barato pela transmissão do sinal a cabo, então a população está se beneficiando.

É um benefício que já está no patamar da ilegalidade, da não-legitimidade. E aí eles passam para uma dominação muito mais despótica, já com violência, com domínio total sobre pessoas, sobre a vontade das pessoas. É esse nível que a gente tem visto acontecer em algumas áreas. As milícias são criminosas, mas são um substrato da ordem. Elas são uma espécie de camelô da segurança pública. Camelô do produto deteriorado, falsificado, contrabandeado, mais ou menos é isso.

O grupo do narcotráfico não está preocupado com cidadania, não quer carteira de identidade, de habilitação, certificado de propriedade do veículo, nada disso... Mas querem visibilidade social e pertencimento. As milícias já são diferentes. O miliciano quer ter a carteira dele de polícia, quer ter o crédito bancário, CPF, e não quer ser visível. Esse substrato de polícia continua se acreditando como comprometido com a ordem. Por isso que a PM patrulhar uma área de milícia é favorecer o miliciano. Porque ele não vai – com raras exceções – atirar na polícia. Ele não entende a polícia como inimiga. O inimigo é o tráfico. Por isso a PM tem que ter uma participação no combate das milícias com a inteligência, com a corregedoria, em auxílio à Polícia Civil.

CS: Então, se não há confronto, o senhor considera as milícias um mal menor?

Não. Pelo contrário. Por serem mais inteligentes, com o tempo se tornam um mal pior. O único bem é o Estado. A população recebe a milícia como um mal menor – e recebe mesmo! Só que isso vai caminhando, vai num crescente, até porque, intelectualmente, está mais preparado. A estrutura de poder que ele vai montar é muito mais complexa. Onde há maiores complexidades, mais investigação. Onde há menos complexidade, mais polícia ostensiva.

CS: Mas a polícia não deveria desarticulá-las?

A polícia que desarticula é a polícia de investigação. Você prende um miliciano dentro de um quartel, com investigação. E quem tem as ferramentas de investigação é a Polícia Civil. A PM só tem as ferramentas de inteligência. Ela tem que participar desse esforço, saber que quando uma milícia é desarticulada o território precisa ser ocupado, ou ele está aberto para outra quadrilha, para o tráfico.

Há aí uma questão de territorialidade. É muito complexo. A gente pensa às vezes que o mundo jurídico vai dar todas as respostas, que a ciência jurídica resolve o problema com a lei e acabou. Resolve parte do problema. Mas se a gente não estudar o fenômeno com outro olhar, as nossas chances de resolver o problema são menores. Daí as Unidades de Pacificação. É a gente saber que vai entrar e não vai sair mais.

ACCOUNTABILITY

Jacqueline Muniz – Em que termos e com que meios o senhor vislumbra um sistema de accountability policial que permita o aperfeiçoamento do mandato policial e a prestação de contas à população?

O accountability vem pela responsabilização mesmo. Dos gestores, das pessoas com capacidade em todos os níveis de gerência, os formadores. Não podemos pensar apenas na culpa de quem está executando o serviço da ponta, que são os protagonistas da polícia, o pessoal que tem contato com o público. Todos nós, principalmente de major pra cima, somos coadjuvantes. Por isso precisamos melhorar muito a situação dos cabos e soldados. Durante os últimos 30 anos, fomos perdendo o conceito de força militar com círculos hierárquicos com a mesma representação, e passamos a ser uma espécie de uma sociedade com estratificações sociais diferentes.

A gente quer que o soldado tenha a mesma representação, os mesmos uniformes. Na medida em que se engaja todo mundo, entende-se que é um corpo só. Posso cobrar a culpa do errado lá na ponta, posso cobrar o accountability daquele que tem responsabilidade sobre a sua formação, sobre a melhor prestação de serviço. Só que, para isso, também é preciso capacitar os gestores, que têm que eventualmente ir para o banco escolar.

E temos que exibir para a população o que fazemos quantitativa e qualitativamente, com as nossas estatísticas, de forma muito transparente, utilizando os meios de mídia, seja na nossa página ou na mídia lá fora, e também através dos Conselhos Comunitários de Segurança. Os Conselhos não são só uma instância de deliberação, que diz pra polícia o que tem que fazer. Esses são dois exemplos dos instrumentos que a gente pretende utilizar. Não sou favorável ao controle externo.

BLOGOSFERA POLICIAL

Sílvia Ramos (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania/Ucam): O senhor se distingue por sua juventude e vitalidade num cargo em que comandantes gerais tradicionalmente são mais velhos, tem poucos cabelos, barrigas fartas e idéias mais sintonizadas com o passado do que com o futuro. Existe hoje uma 'blogosfera policial' no Brasil, um conjunto expressivo de blogs de alto nível criados por policiais, que tem despertado a atenção até mesmo da Unesco. O que o senhor acha da idéia de criar um blog institucional da PM do Rio, incluindo um Twitter e outras ferramentas modernas de comunicação com os subordinados e a sociedade?

Essa ideia é fantástica. Aliás, eu estava pensando nisso. Eu tenho um blog. De oficiais da ativa do Rio de Janeiro, fui o primeiro a criar um blog, em 2006. Estamos um pouco sem tempo agora, pois estamos arrumando a casa, mas no futuro vamos ter. E eu queria complementar para a professora Silvia Ramos: sou um homem que vai fazer 51 anos de idade, tenho uma neta de três anos, e talvez eu só tenha me cuidado um pouquinho mais... Mas eu não faço parte dessa juventude toda que ela está pensando não! (risos).

Minhas ideias talvez é que sejam jovens. Por exemplo, não penso na reforma da polícia, mas pretendo, junto com meus assessores, com a corporação inteira, fazer uma grande modernização nela. Com o engajamento dos cabos, soldados, sargentos, modernizar todas as estruturas, inclusive as ideias e os comportamentos. Não mexer apenas na parte das estruturas materiais, mas na estrutura humana, naquilo que o soldado, o cabo, estão pensando. E com isso ir aos poucos me modificando também, dentro daquela ideia de que sou um aprendiz...

CS: O que o senhor está disposto a mudar na corporação?

A compreensão do 'ser militar' da nossa instituição. Devemos manter o 'ser militar' porque é o que somos, mas temos que ser militares para fora. Militares prestadores de serviço todo o tempo, e não militares para usufruir das estruturas de poder. No meu entendimento, as estruturas de poder são os acidentes, não o 'ser' da profissão. A gente corta essa gordura e transforma essas estruturas em estruturas de serviço. Esse é o meu grande objetivo. Não construí nada sozinho. Não tem uma expressão que seja originalmente minha, ou eu ouvi em algum lugar, ou copiei de algum filósofo, historiador, sociólogo, policial, soldado. Na realidade, estou fazendo uma compilação de idéias e experiências. É uma grande tentativa. Não temos uma bola de cristal para saber se vai dar certo, mas temos muita vontade, confiança e consciência.

ISP

CS – Antes de assumir o Comando Geral da PM, o senhor foi presidente do Instituto de Segurança Pública (ISP). Como foi a sua experiência no instituto?

O ISP foi um grande aprendizado. Nunca fui favorável ao instituto. Isso é uma confissão. Ele foi criado como uma superestrutura ideológica. Os seus verbos - organizar, administrar, planejar e executar a política de segurança pública do Estado - aparecem no primeiro artigo. Isso significa 'a gente manda e vocês fazem'.

Duas corporações com quase 200 anos, com suas culturas particulares, com seus aprendizados, seus saberes, vivendo o mundo sensível... Aí vem o instituto, o mundo abstrato, que não revolve as coisas, não sente os odores, não tem o tato dos problemas, e diz o que fazer. Mas o ISP encontrou um caminho, o de fazer uma parte epistêmica que as corporações não têm tempo para fazer. Então foi a minha proposta: não ser uma prensa formatando as corporações, mas uma mola, uma alavanca.

Foi um aprendizado muito grande, porque a gente não conhece a modernidade, a tecnologia da informação, a necessidade da celeridade. A nossa análise criminal ficava defasada no tempo para aplicação. Precisamos ter atenção às séries históricas, entender o fenômeno, claro que sim! Mas nós temos que estar atentos a tudo que está acontecendo de um dia pro outro, de uma hora pra outra. E aí no ISP eu aprendi muito, fiz grandes amigos, me tornei muito mais tolerante, porque passei a conviver com pesquisadores e pessoas com ideias muito diferentes.

(Colaborou Bernardo Tonasse)

Canal livre com o comandante Geral.


"JUNTOS SOMOS FORTES"

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